sexta-feira, 10 de junho de 2011

O incrível caso de Phineas Gage

Em 1848, Phineas Gage, um jovem e zeloso capataz de apenas 25 anos sofreu um acidente e tem transformada por completo sua personalidade.



Em 1848, Phineas Gage era supervisor de construção de ferrovias da Portland & Burland Railroad.  Impávido e dotado de um senso de responsabilidade incomum, o jovem  e zeloso capataz – ele tinha apenas 25 anos de idade – reservava  para si as tarefas mais perigosas. Poupando os seus  subordinados das atividades  que envolvessem sérios riscos, assumia  pessoalmente  a responsabilidade de explodir as rochas  situadas no   traçado da estrada de ferro.

Cranio e  imagem de Phineas Gage, reconstituída a partir da máscara mortuária
Naquele fim de tarde, em Vermont, Estados Unidos,  o jovem capataz protagonizou um acidente histórico,  que permitiu à Ciência  constatar que os danos ao córtex cerebral afetam a personalidade do indivíduo.
Uma carga de pólvora fora colocada pelo próprio supervisor na abertura de uma rocha. Então Gage empunhou uma barra de ferro de um metro de cumprimento e 2,5 centímetros de diâmetro para socar o orifício.  Inadvertidamente, a barra resvalou na abertura do buraco.  O atrito ocasionou uma fagulha, que fez a pólvora acender. Conforme esclarece R. M. E. Sabbatini,  a explosão que se seguiu  “projetou a barra, com 2.5 cm de diâmetro e mais de um metro de comprimento contra o seu crânio, a alta velocidade. A barra entrou pela bochecha esquerda, destruiu o olho, atravessou a parte frontal do cérebro, e saiu pelo topo do crânio, do outro lado. Gage perdeu a consciência imediatamente e começou a ter convulsões. Porém, ele recuperou a consciência momentos depois, e foi levado a médico local, Jonh Harlow que o socorreu. Incrivelmente, ele estava falando e podia caminhar. Ele perdeu muito sangue, mas depois de alguns problemas de infecção, ele não só sobreviveu à horrenda lesão, como também se recuperou bem, fisicamente.” 


Como ficou Phineas Gage após o acidente
Todavia,  o zeloso Gage anterior à explosão, “descrito como equilibrado, meticuloso e persistente quanto aos seus objetivos, além de profissional responsável e habilidoso”, conforme pondera Cristina Marta Del-Ben, simplesmente desapareceu. Em seu lugar, assomou, conforme concluiu o neurobiologista António Damásio, “uma pessoa impaciente, com baixo limiar à frustração, desrespeitoso com as outras pessoas, incapaz de adequar-se às normais sociais e de planejar o futuro. Não conseguiu estabelecer vínculos afetivos e sociais duradouros novamente ou fixar-se em empregos.” 

Embora tenha milagrosamente sobrevivido à explosão, o capataz, que permanecera o resto da  vida com a barra de ferro transfixada   na face,  tornou-se mesmo uma pessoa completamente diferente. Pouco tempo depois ao acidente – acresce Sabbatini – Phineas começou a ter mudanças surpreendentes na personalidade e no humor. “Ele tornou-se extravagante e anti-social, praguejador e mentiroso, com péssimas maneiras, e já não conseguia manter-se em um trabalho por muito tempo ou planejar o futuro.”  O Phineas sobrevivente – pontuam William K. Purves,  David Sadava e Gordon H. Orians – “era briguento, mal humorado, preguiçoso e irresponsável. Tornou-se impaciente e obstinado, passando a usar um linguajar rude nunca antes utilizado por ele.”  “Phineas já não é mais Phineas”, diziam seus amigos.

Imagens do crânio e da barra de ferro que atingiu Phineas Gage
Estudos recentes, desenvolvidos pelos neurobiologistas portugueses Hanna e António Damásio, indicam que a maior parte dos danos  sofridos por Gage incidiu sobre a região ventromedial dos lobos frontais, em ambos os lados, sem que a área cerebral responsável pela fala e funções motoras fosse afetada.  Os cientistas, da Universidade de Iowa,  empregaram técnicas de computação gráfica e de tomografia cerebral para avaliar a possível  trajetória da barra de ferro,  concluindo que as alterações de comportamento provavelmente decorreram da lesão. Observaram os pesquisadores que outros pacientes, com lesões semelhantes à de Gage, igualmente apresentaram déficits nos processos de decisão racional e no controle das emoções.

 Reconstituição dos danos sofridos por Gage por computação gráfica
William K. Purves,  David Sadava e Gordon H. Orians apontam  que Gage passou o resto de sua existência como um desocupado, ganhando a vida contando a sua história, exibindo a barra de ferro e as suas cicatrizes.  Ele morreu treze anos depois do acidente, pobre e epilético. Seu crânio, sua  máscara mortuária e a barra de ferro estão em exibição no Museu da Faculdade de Medicina da Universidade de Havard.

Crânio de Phineas Gage
O terrível acidente que vitimou Phineas Gage permitiu à medicina constatar, em definitivo, que  a personalidade do indivíduo reside no encéfalo.  O acidente  tornou-se  um caso clássico nos livros de ensino de neurologia, já que, conforme pondera Sabbatini, a  parte do cérebro afetada  –  os lobos frontais – passou a ser associada às funções mentais e emocionais que, no caso de Gage,  ficaram alteradas.  Ou, em síntese, como disse António Damásio,"Gage foi o início histórico dos estudos das bases biológicas do comportamento".
Fontes:
R. M. E Sabatini, “O espantoso caso de Phineas Gage”, disponível em:http://www.cerebromente.org.br/n02/historia/phineas_p.htm .
William K. Purves, David Sadava, Gordon H. Orians et al. : “Vida: a  Ciência da Biologia”.
Jim Hiks et al. : “Para além da mente”, Col. “Mistérios do desconhecido”, Times-Life.
Cristina  Marta Del-Ben: “Neurobiologia do transtorno de personalidade anti-social”, disponível em:http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832005000100004.

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